Por estranho que possa parecer, ouvimos esta pergunta de alguém que realmente ficou com essa impressão. Mas porque alguém perguntaria se um tubarão é manso?
A resposta está no incrível convívio pacífico entre tubarões e seres humanos observado nas águas que banham o arquipélago de Fernando de Noronha.
O arquipélago é formado por uma ilha maior e várias ilhotas menores, distantes cerca de 360 km da costa do Rio Grande do Norte, no entanto, o arquipélago pertence ao estado de Pernambuco. As ilhas são a parte visível de uma cadeia submarina de montanhas formadas por intensa atividade vulcânica há milhões de anos.
Lugar maravilhoso, de natureza bastante preservada, as ilhas e o mar que as cercam revelam muitas surpresas e nos mostram como pouco sabemos sobre a interação entre as diferentes espécies que convivem em determinado ambiente.
Caminhando pela praia da baía de Sueste fomos surpreendidos com a presença de tubarões. Mas não uma barbatana avistada lá longe no mar, não. Os tubarões estavam literalmente junto de nossos pés. Trazidos pelas ondas da arrebentação. Nadavam em meio à areia em busca de alimento. Mas também não eram tubarões adultos e sim filhotes de tubarão limão que se aproximam da arrebentação em busca de alimento.
Os filhotes de tubarão limão se desenvolvem dentro do corpo da fêmea e quando nascem já estão completamente formados.
Os filhotes de tubarão-limão têm o hábito de permanecer durante bastante tempo nas regiões em que nasceram (áreas conhecidas como berçários). Por isso, sua presença nas praias de Fernando de Noronha.
Quando adultos chegam a 3 metros de comprimento e nadam em águas profundas onde se alimentam de crustáceos e animais bentônicos, isto é, animais que vivem sobre o leito do oceano.
Foi a visão de um animal adulto, nadando relativamente perto de um turista que levou à pergunta: aquele tubarão é manso?
Um animal selvagem nunca é manso, como a maioria dos tubarões, o limão possui numerosos dentes arrumados em fileiras nas arcadas superior e inferior e poderia causar ferimentos graves aos seres humanos. No entanto, isso não acontece porque os tubarões-limão preferem outros alimentos que as águas ao redor do arquipélago oferecem em abundância, por isso, os animais não nos atacam.
Distribuição geográfica do tubarão limão.
Imagem em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/
Fernando de Noronha está há mais de 500 km da costa de Pernambuco e é lá, especialmente em Recife, que têm acontecido o maior número de ataques de tubarão registrados no Brasil. O último deles, aconteceu em 2013 e foi fatal. Em vinte anos, foram 57 acontecimentos desse tipo, com 22 mortes. Para evitar tragédias como essas a orla da praia de Boa Viagem em Recife tem muitos avisos alertando para o perigo.
Em Recife, os ataques provavelmente são produzidos por tubarões-touro (duas espécies do gênero Carcharias) e por tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier ), ambos muito comuns naquelas águas e com comportamento agressivo. Podem atacar os seres humanos ao confundi-los com outras presas. O tubarão-tigre em particular, é pouquíssimo seletivo, come praticamente qualquer coisa que flutue e com seus quase 6 metros de comprimento pode matar facilmente.
O número de ataques em Recife aumentou muito e os pesquisadores atribuem isso a mudanças no meio ambiente costeiro causadas pela construção e movimento de navios no porto de Suape.
Para construir o porto, estuários foram dragados e docas foram construídas, projetando-se para o oceano. Isso parece ter sido um problema para os tubarões touro, que têm grande parte do seu ciclo de vida dependente de estuários costeiros. Acredita-se que as ações sobre o ambiente necessárias à construção de Suape interferiram nos hábitos de caça destes animais.
Já os tubarões tigre são migratórios e costumam seguir os navios em busca de alimento (lixo lançado às águas). Os navios que chegam ao porto podem ser a causa do aumento na população destes animais.
As pesquisas continuam a ser feitas e ainda não há resultados absolutamente conclusivos sobre a causa do aumento de ataques em Recife.
Professor: Ainda que haja controvérsia sobre o motivo pelo qual os ataques em Recife se tornaram tão numerosos, é importante destacar o quanto desconhecemos as múltiplas interações entre os seres vivos e o ambiente. E como nossa ação pode resultar em consequências nunca imaginadas anteriormente.